O Desejo Perdido

 




"Deu-me uma bússola e um mapa. E agora, o que é que eu faço com isto?"

    Não percebo por que é que a minha avó me deixou estas duas coisas de herança e por que pediu para o advogado só entregar neste dia, Dia das Bruxas. A bússola nem aponta para Norte e o mapa tem uma foto da minha avó nele. Sozinha.
    Estou um pouco intrigado, a minha avó nunca fez nada ao acaso, este não seria diferente. Mas, já para o final, ela não parecia muito bem.
    Decidi dar-lhe o benefício da dúvida e seguir a bússola e o mapa. Estranhamente, ela leva-me a uma floresta onde outrora fora um cemitério. Engulo em seco e entro nesta aventura assustadora.
    Avanço pelos sítios indicados no mapa e deparo-me com uma rapariga que também envergava nesta aventura. Ela é magra, não é muito abençoada nos atributos femininos, sem quase curvas nenhumas, tem a pele clara e olhos escuros como a noite e um longo cabelo negro liso. Ela olha para mim e cumprimenta-me.
    - Olá, sou a Antónia, também vieste participar?
    - Participar?
    - Sim, ocorre sempre neste dia, dão-te a bússola para não te perderes e o mapa com os pontos onde se situa mais ou menos os tesouros. Já agora, como é que te chamas?
    - João.
    - É um prazer, vem daí!
    Segui-a pelo trilho até encontrarmos o primeiro objeto, um morcego.
    - Parece que também o encontraste. - Ouvi uma voz confiante e ao mesmo tempo agressiva.
    Era uma rapariga negra, de cabelo castanho volumoso, lábios carnudos, olhos cor de âmbar, um corpo avantajado em relação aos atributos femininos, atlética, ela é linda. Não consigo fechar a boca.
    - Calma, rapaz. Não te babes tanto. - Gozou ela. - Sou a Catarina.
    - Ainda bem que só te tenho de aguentar uma vez por ano. - Resmungou Antónia.
    - Eu sou o João. - Apressei-me.
    - É um prazer. - Deu-me um aperto de mão forte e seguimos caminho.
    Era notório que elas não se suportam, passaram o caminho todo a pegarem-se e a mandar bocas uma à outra. A Antónia insultava a Catarina de uma forma sofisticada, o que a enervava ainda mais. Receei que a Catarina lhe fosse bater, mas fomos salvos pelo próximo objeto, uma lua cheia.
    - Uma bola!  - Exclamou Catarina.  
    - É uma lua, sua ignorante.  - Esclareceu, com arrogância, Antónia.
    - Acabou! Vou-te mostrar a ignorante.
    Catarina avançou agressivamente para ela quando um rapaz egípcio a trava.
    - Catarina, acalma-te.
    - Falar é fácil, Amon. Mas ela tira-me do sério!
    Amon é alto e atlético, moreno, usa um eyeliner perfeito, que preferi não comentar para não o ofender, cabelo negro com uma mini trança na frente e olhos castanhos.
     - Novo companheiro? - Perguntou-me.
     - Sou o João. - Cumprimentei-o.
     - Como conheceste este jogo?
     - A minha avó deixou-me de herança.
     - A tua avó? Como se chamava? -  Perguntou Antónia. 
     - Ophelia.
     Vi choque e dor nos olhares deles.
     - Até parece que a conheciam.
    Ignoraram o que eu disse e seguimos caminho em silêncio. Vi Amon a intercalar o dedo mindinho com Catarina.
    Terão eles uma relação?
    Chegamos à zona de campas da floresta, campas vulgares e encontramos um escaravelho de jóia.
    - Boa, mais uma! - Exclamou Catarina, excitada.
    - Controla as hormonas,  selvagem. - Insultou Antónia.
    - Deixa a Catarina, pelo menos uma vez na vida.
    - E tu que não a defendesses, Amon.
    - Não temos culpa do Carlos ter falecido, Antónia, ninguém tem. - Interveio a nova membro. 
    É uma jovem esquelética, cabelo fraco de um loiro quase platinado, tem olhos côvados azuis claros e a pele dela era quase branca. É melhor ela manter-se longe do sol ou ficará queimada. A Antónia esbugalhou os olhos em choque e seguiu sem esperar por nós. 
    Carlos, tinha o nome do meu trisavô.
    - És parecido com ele. - Soltou a jovem. - A propósito, sou a Nelly.
    Seguimos em frente, cada vez com o ambiente mais tenso e chegamos ao cemitério velho. As campas eram feitas de tábuas em forma de cruzes. Mas três jovens já tinham alcançado aquele lugar e encontrado o objeto primeiro. O objeto é um osso de cão. São dois rapazes e uma rapariga. O rapaz mais alto é ruivo de cabelo cacheado, com olhos verdes claros e sardas. usa uma chapéu preto. A rapariga tinha o cabelo ondulado pela cintura tingido de vermelho, é morena e tem olhos castanhos avermelhados. O outro rapaz é tão branco que se nota as veias, tem olhos cinzentos e cabelo loiro, é um jovem esguio.
    - Vejo que nos passaste a perna, Igor. - Brincou Nelly com um olhar comprometedor com o jovem de chapéu.
    - Vejo que temos mais um camarada. Eu sou o Igor, ele é o Miguel e ela a Vanessa.
    - Sou o João, é um prazer. O que já encontraram?
    - O osso, a varinha, o símbolo de magia negra e a campa. - Disse Miguel.
    - Nós temos o morcego, a lua e o escaravelho.
    - E nós o novelo de lã e o farrapo.
    Juntou-se a nós mais um casal. A jovem tem dois totós e um cabelo castanho baço, olhos azuis escuros enormes e uma pele manchada. O jovem que a acompanhava tem cabelo negro selvagem, olhos verdes escuros e pele escura. Apresentaram-se como Nádia e Pedro.
    - Então o jogo terminou. Também já está a ficar tarde. Vocês conheciam a minha avó? Quer dizer, através dos vossos.
    - Morreu confortável? - Perguntou Nádia enquanto nos encaminhávamos para a saída.
    - Sim, os médicos garantiram que não sentiria dor.
    Mais um silêncio constrangedor. Chegamos à saída e despedimo-nos.
    - Então, a gente encontra-se por aí. - Disse.
    - Sim, aqui, todos os Halloweens! - Exclamou Vanessa.
    - Por que não antes?
    - É complicado, João. - Cortou Amon sem margens para argumentos.
    - Tudo bem... mas então uma recordação! - Antónia tentou contestar, mas já era tarde, já tinha o telemóvel a postos e...
     Click!
    Vi a foto, mas só lá estava eu. Lembrei-me da foto da minha avó que vinha com o mapa, com a minha idade, também só, neste mesmo local. Tinha anoitecido e as luzes da rua ligaram-se. Olhei para eles e vi uma vampira, uma loba, uma múmia, uma esqueleto, um bruxo, uma diaba, um fantasma, uma boneca de trapos e um gato preto.
    Então entendi. Só nos veríamos uma vez por ano, no dia do Halloween, para o mesmo jogo, como se o tempo não passasse. Para eles não passa. Sou o único humano, o único que há de crescer, envelhecer, morrer e passar o legado para o meu neto. Eles? Eles vão só esperar por mim, todos anos, até que tal como o meu trisavô e a minha avó, eu deixe de aparecer e venha alguém dar-lhes a notícia.

Cláudia Barbosa




Comentários

  1. Olá, Cláudia,
    Uau, este conto é muito rico em descrição, personagens e backstory! Gostei muito, notei uma evolução na tua escrita e na forma como relatas a dinâmica de acontecimentos. :)
    Esperamos ver-te na Gala Mais Assustadora, no sábado, dia 31, às 16h!
    Um beijinho,
    Elisabete.

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