Madame Gertrudes




    Olá pessoal, hoje trago-vos a primeira parte de um conto que criei ao participar de um concurso de Halloween.

    Para quem não sabe, este desafio deu-se pela Vera Barbosa e Elisabete Martins Oliveira que decidiram criar algo mais divertido e a ver com o tema Halloween para desafiarem a nossa escrita, no Instagram. Atenção e boa leitura. Talvez mais tarde eu faça a continuação do conto. 


 


"A casa abandonada ergue-se perante mim, altiva, severa.
Engulo em seco.
Não sei o que é que me deu na cabeça para meter aqui os pés."


    Dou um passo em frente e sinto todo o meu corpo a tremer. Que será isto? Medo? Adrenalina? Não sei, mas sei que não me vai parar. Não depois de já ter chegado até aqui.
    Continuo a avançar até às escadas da frente. Subo com cuidado, mal lhe ponho o pé já ouço o degrau a ranger. As escadas são de madeira, mas pelo aspeto já estão podres há muito tempo. 
    Chego ao alpendre e olho em volta, sinto que alguém me está a observar, mas não vejo ninguém. Olho para a porta igualmente de madeira com umas tábuas a barricá-la, tal como as janelas da casa. Certamente não é sensato entrar, senão ninguém as tinha pregado lá. Mas a curiosidade fala sempre mais alto nestes momentos, não é? Não devia mas é.
    Pensei que iria precisar de um pé de cabra para tirar aquela madeira toda, mas para meu grande espanto, ao colocar lá as mãos a madeira partiu-se logo. Não está lá muito bem protegido. Acabo de tirar a madeira toda e dou um pontapé na porta para a arrombar. Estou impressionadíssima com as minhas habilidades. 
    Entro com cautela e dou por mim a inspirar profundamente. Está tudo escuro, velho e sujo. A única claridade é a pouca luz que passa pelas janelas barricadas.
    Encontro uma carta ao lado de uma fotografia antiga de uma mulher elegante, esnobe, altiva e com um ar arrogante e emproado. Pego no envelope e abro-o para ler. É do sobrinho da senhora dirigido à tia Gertrudes. Ou seja, esta é a casa da Madame Gertrudes.
    Continuo entrada a dentro e passo pelo que outrora fora uma porta. Tudo na casa está velho e sujo. Já cá não habita ninguém faz muito tempo. Fico indecisa por onde seguir. Tenho quatro portas fechadas neste piso e uma grande escadaria que me leva ao segundo andar. Mas enquanto me movo pensativa tropeço em algo e percebo que é um alçapão.
    A casa tem cave.
    Se é para a investigar corretamente, então comecemos de baixo para cima. Agacho-me e começo a puxar a porta. Mas o alçapão não abre. Certamente algo está enferrujado ou encravado e eu não tenho força suficiente para abrir. Bem, seguiremos então para uma destas quatro portas. Entro na da minha esquerda e deparo-me com uma sala enorme com sofás velhos e rasgados do que me parece ser um verde e quadros pendurados por todas as paredes. Uns rasgados, outros estravados pela humidade e outros tapados. No centro tem uma grande lareira com um quadro longo em cima de si. Esse quadro também está tapado.
    Quando dou por mim já estou a puxar o pano para o destapar. De repente, assim que o pano cai, vejo uma mulher pálida de cabelo liso negro e uns dentes enormes com uns olhos esbugalhados. Ouço um grito e juro que algo me tapa com o pano. Luto assustada para o tirar de cima de mim e quando vejo novamente o quadro... Lá está ela. A Madame Gertrudes, altiva, na sua melhor pose a olhar em frente. Fico confusa. Será a minha imaginação a pregar-me uma partida? Estarei assim tão assustada? Mas ia jurar que ouvi mesmo o grito. E algo definitivamente tapou-me. Eu estava petrificada a olhar para o quadro quando me taparam. Não podia ter sido eu. Alguém estava naquela casa comigo. Só não sei se é uma alma viva. Que tolice, claro que é algum amigo meu a pregar-me uma partida. Fantasmas não existem. Mas... Não contei a ninguém que vinha para aqui... Mas alguém pode ter-me seguido. Sim, é isso. Avanço para a saída para poder explorar outro cómodo e piso em algo que se parte. Olho para o chão e vejo uma moldura de vidro no chão. Não estava ali quando entrei. Pego nela com cuidado para não me cortar e vejo a foto protegida por agora um vidro partido. Era a Madame Gertrudes com um bebé no colo. Guardo a foto e saio do cómodo.
    Sigo para a porta à direita da divisão onde estive e claro. É a sala de jantar, faz todo o sentido. É uma divisão grande mas não muito cheia. Tem uma longa mesa antiga com alguns arranhões e cadeiras a toda a volta com os estofos já estragados de um vermelho escarlate. O papel de parede vermelho às riscas que cobre as paredes também está rasgado em alguns pontos. A marca parece ter sido feita com unhas. 
    Arrepiante. 
    Pagava para saber o que aconteceu aqui. Tinha uns vasos com umas plantas secas nas pontas. Nada de entusiasmante para além das paredes. Saio novamente e sigo para a próxima, aposto que é a cozinha. 
    Errei. Ao que parece acabo de entrar na sala de música. E que sala vintage. Pena já estarem todos estragados mas estes instrumentos são simplesmente fabulosos. Tem harpa, violino, violoncelo e piano. Será que o piano ainda funciona? Adoro tocar piano e há anos que já não o faço. Avanço e levanto o tampo que protege as teclas. Tenho um momento de euforia porque está incrivelmente limpo e impecável. Começo a clicar nelas mas nenhum som é produzido. Fico desapontada. Mas já devia de o esperar, isto está aqui há anos. Viro as costas para inspecionar os outros instrumentos impecavelmente preservados quando ouço uma melodia familiar a sair do piano. É a melodia que tentei tocar. Aquela cujo som não foi produzido. Meto as mãos na cintura e começo a gritar para o ar como uma maluca a ditar os nomes dos meus amigos e de como não estou a achar piada. Então ouço uma voz arrastada e rouca. 
    “Nem eu.” 
    Volto-me pálida e tudo que vejo é uma sala vazia. Corro porta fora e entro logo sem pensar na qual porta que me faltava.
    É a cozinha. E está cheia de sangue. Sangue vivo.


Cláudia Barbosa

Comentários

  1. Ri-me com o “nem eu” 😂😂 mas perdi a vontade de rir quando vi o sangue.

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Mensagens populares deste blogue

O Desejo Perdido

Acampamento - Semana I "Cheia de Mistério"

Acampamento - Semana SE "Uma Carta Para a Minha Criança"